sábado, 6 de dezembro de 2014

O Cristão e o Mundo - Martins Peralva.

Não peço que os tires do mundo.
Não se pode conceber, ante as palavras do Senhor na oração pelos discípulos, tenham os homens de isolar­se a pretexto de melhor servirem a Deus. É de supor­se, todavia, que aos cenobitas modernos não tivesse ocorrido, ainda, a ideia de examinarem a referência acima, que o evangelista anotou.
Se na atualidade tal conduta surpreende, encontramos uma certa justificativa na conduta dos eremitas do passado, veneráveis e santas figuras que buscavam o  insulamento em grutas desertas.
Os anacoretas, cujos nomes são ainda hoje reverenciados, fugiam do mundo, adotavam vida de inteira renúncia com o propósito de despertarem o homem para os problemas da alma, cuja excelsitude, cuja valia já podiam sentir.
Tudo, no entanto, tem o seu tempo, a sua época.
Na atualidade, o isolamento em mosteiros ou  cavernas, sem finalidade prática, sem proveito para os semelhantes, expressaria egoísmo, acomodação à boa­vida.
Significaria fuga ao trabalho.
Quando alguém foge, hoje, do turbilhão das metrópoles, via de regra é para exercitar a confraternização, para edificar escolas que instruam e eduquem a infância e a juventude, para construir hospitais que acolham enfermos pobres, ou para erguer abrigos que assegurem aos velhos uma existência mais tranquila, no pôr de sol de suas experiências terrenas.
As palavras do Mestre, na chamada “oração sacerdotal”, exprimem cautela, revelam prudência.
O pensamento de Jesus — “Não peço que os tires do mundo, e, sim, que os guardes do mal” —  era o de impedir que os discípulos viessem a empanar o  fulgor da Boa Nova, o universalismo da Doutrina Cristã, com um possível retraimento das lutas mundanas.
A fuga ao trabalho, aos deveres imediatos, poderia criar um precedente perigoso para as futuras realizações do Evangelho.
Os discípulos, àquela época, tanto quanto nós outros na atualidade, não prescindiam do clima ardoroso das lutas terrestres — porque as lutas corrigem, aperfeiçoam, iluminam.
A oração do Senhor, proferida em voz alta, haveria de causar­lhes duradoura impressão.
Repercutiria, profundamente, nos séculos que se avizinhavam.
Assim é que, na hora da partida, quando se preparava para o retorno às Esferas de Luz de Ignotas Regiões, fixou­lhes, em definitivo, o procedimento no  mundo, de maneira que, permanecendo eles no mundo, dessem ao mundo testemunhos de luta e trabalho, compreensão e amor.
É por isso que os companheiros do Mestre fundaram a “Casa do  Caminho”, onde o faminto recebia alimento, onde o esfarrapado encontrava vestuário, onde o doente alcançava amparo.
Ninguém pode dar testemunho de valor espiritual, se não viveu provas difíceis, dramas intensos, complicados problemas, se não viajou em águas procelosas.
Ninguém pode dar testemunho de resistência moral, se não sentiu  o impacto de fortes tentações, sobrepondo­se, no entanto, a todas elas, pela inabalável determinação de vencer, pelo desejo de realizar­se.
Num convento, numa caverna, na solidão, tais oportunidades dificilmente se verificarão.
Viver no mundo — sem aderir ao mundo.
Viver no mundo — sem partilhar­lhe as paixões.
Viver no mundo — sem entregar­se ao mundo.
Viver no mundo — mas livrar­se do mal.
Transitar pela Terra — sem chafurdar­se na lama dos vícios, é prova difícil, porém não impossível.
Pede decisão, esforço, persistência.
Conhecendo o  anseio de crescimento espiritual, que era uma constante na vida dos discípulos, porém, identificando­lhes igualmente a fragilidade humana, rogava Jesus ao Pai:
— “Não peço que os tires do mundo, e, sim, que os guardes do mal.”
No pedido do Mestre nota­se, amorosa, uma exortação à vigilância, para que não viessem eles a sucumbir ante o mal, nas suas diversas manifestações.
O mundo, com seus conflitos e suas tentações, era­lhes, sem dúvida, clima propício às experiências renovadoras.
Fortalecidos, contudo, pelas imortais lições de Jesus, haveriam de se converter, como de fato se converteram, em exemplos vivos e atuantes de amor e trabalho.
O heroísmo dos primeiros cristãos regou a árvore do Cristianismo.
A abnegação e o sacrifício dos homens da “Casa do Caminho”, nas adjacências de Jerusalém, adubaram, para todos os séculos e milênios, a sementeira do Evangelho.
Livro: Estudando O Evangelho.
Martins Peralva.

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